sábado, 11 de outubro de 2008

AINDA FALANDO DE CARTOLA....

Se as rosas não falam, nós falamos, e muito, sobre Cartola. Neste final de semana em SP acontecerão vários eventos em homenagem ao centenário de Cartola. Show no teatro Fecap com Elton Medeiros e convidados, Samba de Terreiro de Mauá em Santo André e show na Unidos da Peruche com participações da Ala dos Compositores, Velha-guarda, Baianas e Bateria Nota 10 da Peruche; Ala dos Compositores da Camisa Verde e Branco; Samba da Laje; Projeto Cultural Samba Autêntico; Samba da Tenda; Maria Cursi; Pagode do Cafofo; Samba do Baú; Pedra Noventa; Inquilinos do Universo e Café Paulista.
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Segue abaixo um um texto postado no blog do Nei Lopes (sambista de alta linhagem) que também escreveu, de uma maneira peculiar e deliciosa de se ler, sobre o centenário de Cartola.





CARTOLA CENTENÁRIO E O MENINO DO MÉIER Os visitantes do Lote devem imaginar o quanto, neste momento, o dono deste modesto espaço deve estar recebendo de solicitações para falar sobre a importância do velho Cartola. Teve até jornalista achando que este que vos escreve, conviveu com “Seu Angenor”, como coleguinha de curso primário no Catete. Não foi bem assim, vocês percebem. Ele nem sabia o nosso nome. A ponto de, após uma homenagem que lhe prestamos, no Clube do Samba, do João Nogueira, no final dos anos 70, ele – segundo Dona Zica – se referia a mim e ao parceiro Wilson, como “aqueles meninos do Méier”. Mas como há sempre alguma coisa pra dizer, pra contar, pra esclarecer, vamos a ela. O caso é que numa noite, em 1935 – como já foi contado aqui no Lote, – o musicólogo e compositor erudito Basílio Itiberê visitou Mangueira. E foi recebido, na ponte, por um grupo de ritmistas e pastoras da Estação Primeira, porque a Unidos já agonizava. Feitas as apresentações, a comitiva subiu em cortejo. E, como era de praxe, ao som do coro e da bateria; tendo à frente o baliza e a porta-estandarte; e sob o comando do apito do mestre de harmonia. Profundamente impressionado por essa visita, Itiberê fez, sobre ela um relato minucioso. No qual fala de seu encantamento com um samba em especial: Tragédia. “Prestai bem atenção que este é um samba do Cartola! – escreveu. – Não ouvireis tão cedo um canto assim tão puro, nem linha melódica tão larga e ondulante. Atentai como é bela, e como oscila e bóia, sem pousar, entre a marcação dos ‘surdos’ e a trama cerrada dos tamborins” – desmanchou-se Itiberê. Esse Cartola, “fascinador impenitente”, já estava desde 1920 em Mangueira, então uma favela incipiente. Morrera-lhe o avô, sustentáculo da família, e a vida teve de mudar. Mas a semente de uma instrução pública rigorosa, como era a daqueles tempos, semeada em terreno fértil, frutificou. E como! Era 1935. E o compositor já tinha alguns belos sambas gravados com Francisco Alves, Carmem Miranda e Silvio Caldas. Só que, de repente, “tudo acabado, o baile encerrado” – como diz um de seus sambas. É que em 1928, por força de lei, os compositores musicais foram equiparados, em termos de direitos autorais, aos autores de teatro. Abria-se, então, um novo campo profissional, num setor ainda inexplorado. E a turma da música teve que se abrigar sob as asas da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, SBAT, que, por seu perfil aristocrático, não os viu com bons olhos. Logo, logo, instaura-se o conflito: de um lado, a SBAT; do outro, compositores populares. Sim, populares (alunos, à distância, dos fundadores do samba), mas de paletó e gravata e até “anel no dedo”. Os quais, assim, e, dizem, com dinheiro vindo de fora, organizam-se em associação, para protagonizar os primeiros momentos da história dos direitos autorais musicais no Brasil. Enquanto isso, de longe, na calçada, do outro lado da rua, olhando o burburinho do Café Nice, os pretinhos do samba não entendiam bem o que se passava. Frustrados, assim, em sua expectativa de ascensão social através de sua arte, os sambistas, então, continuaram em seus biscates e “virações”, ocasionalmente de cunho artístico. E Cartola, mesmo admirado por Villa-Lobos e elogiado por Stokowsky, não foi exceção. Por outro lado, em 1945, as rixentas sociedades autorais celebram um armistício. No acordo, a SBAT fica com os direitos de teatro, que até hoje ainda são chamados “grandes direitos”, e os compositores “populares” ficam com os “pequenos”. E é assim que o pessoal do Estácio, do Salgueiro, de Mangueira, de Oswaldo Cruz, vai, mesmo, saindo de cena. E Cartola, pobre e doente, vai junto, no mesmo momento em que se consagra a categorização “samba de morro”, distinta dos sambas feitos pelo compositores efetivamente “do rádio”. Mas o destino, sábio, fez com que as escolas de samba crescessem em importância; e, com elas, Cartola se consolidasse como mito. Mesmo tendo, em 1951, passado o bastão da harmonia mangueirense ao ex-portelense Xangô. E até porque a “harmonia”, no sentido técnico de conjunto de regras da tonalidade; ou de sons relacionados, já não cabia nas escolas, as quais, já aí, sustentavam-se apenas na percussão. Nos anos 50 e 60, então, Cartola, que muitos julgavam morto, veio vindo, de novo à superfície. Primeiro, escorado aqui e ali, com um emprego subalterno em um Ministério, conseguido por um político amigo; e com a abertura do “Zicartola”, também com capital de amigos. Depois, com as gravações de O Sol Nascerá, por Elis Regina em 1964, e Alvorada por Clara Nunes em 1972. E sempre com o indispensável companheirismo de Dona Zica, mulher pra toda obra... Até que veio o êxito. Entre 1974 e 1979, com As rosas não falam, O mundo é um moinho e Peito Vazio, entre outras composições, com ou sem parceiros, Cartola, com quatro LPs gravados por sua própria voz, chegou onde sempre deveria estar. Mas a “indesejada” logo cobrou seu tributo. E a 30 de novembro de 1980 o levou. ** E hoje estamos aqui, Seu Angenor, tomando uma Baixa Renda em honra do seu Centenário! Quem diria, hein? E o “menino do Méier”, que de novo o homenageia, já fez 66 anos. Mas, como disse V.Exa. “as rosas não falam”. Simplesmente “exalam”, não é mesmo?
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